Artigo - Divagações Sobre O Caminho

Divagações Sobre O Caminho

Bento Guimarães
novembro/2021

Eu sempre me intriguei com essa ideia do Caminho (michi). Eu era muito romântico no início e essa imagem do guerreiro que sobe a montanha em busca de respostas era irresistível.

Eu tinha essa “quest” filosófica e acreditava, ou queria acreditar, que através do Budo eu chegaria a um melhor eu, mais maduro e sábio.

Após quase 50 anos de caminho qual a resposta que eu posso dar a essa questão? Se eu afirmar que fiquei mais sábio e maduro por causa do Budo eu estarei sendo presunçoso com certeza.

A verdade é que eu não sei a resposta. Aos quase oitenta anos de idade é de se esperar que uma pessoa esteja mais sábia e madura. Mas isso não é uma certeza. Muitas pessoas pioram com a idade e regridem em vez de evoluir.

Muitos de nossos professores carecem de modéstia, atributo essencial para ser um bom praticante de Budo. Eles utilizam seu status para exercer suas vaidades. Falta-lhes o mínimo de “orientalidade” para entender do que se trata o Budo. A noção de “verticalidade” é estranha a eles e com isso vai se perdendo a coluna cervical que os une ao conceito original.

O fato de não haver competição no Aikido tem um lado deletério ao final de contas, porque facilita o ingresso de pessoas que estão em busca de um palco para se exibir. Observa-se também, por outro lado, que o uke japonês é bem diferente do uke brasileiro. Parece que o uke brasileiro está sempre buscando uma maneira de burlar o nage ou de minimizar a sua situação. Como o Aikido é um combinado fica difícil evoluir se as partes não compreendem o que está envolvido.

A meu ver o Professor Shikanai é o único “sensei” (pronuncia-se “sênse”) que eu conheço no Brasil. Os demais são “Professores”. Na verdade, não posso comparar o meu caminho com o dele. O dele é genuíno e profissional. Eu sou apenas um diletante. Ele vive do Budo para poder comer o seu arroz. Não que isso seja uma condição suficiente. É preciso muito mais para se ter um verdadeiro “sensei”. É interessante observar praticantes que manifestam a sua admiração pelo Professor Shikanai mas que na verdade percorrem um caminho “existencialmente” oposto ao dele. Será que não percebem?

Voltando ao “Caminho”. Como na vida, aos poucos a percepção que tinha sobre o Budo e sobre mim mesmo foram mudando sem que eu mesmo percebesse. Um trecho de Ésquilo ilustra bem esse sentimento: “pain that cannot forget falls drop by drop upon the heart until, in our own despair, against our will, comes wisdom through the awful grace of God”. Antes que alguém pense, não, eu não me converti!

As transformações ocorrem assim mesmo: de gota em gota e sem que você perceba. Pelo menos, é assim comigo.

Mas, concluindo, que nota dou ao Budo, depois desses anos todos. Em termos de saúde física eu dou nota 10. Ate hoje não sou incomodado por doenças ou dores significativas. A prática, principalmente do Aikido, me manteve “naturalmente” saudável e disponível. Percebo isso quando tropeço, ao subir correndo a escada em minhas pantufas, salvando a minha dose de “scotch” na mão esquerda e protegendo, com a direita, a broa de milho, especialidade da minha mulher. Quer melhor prova do que isso!

Quanto a sabedoria, essa é uma avaliação que não cabe a mim fazer. Na verdade, não me sinto sábio e nem saberia dizer o quanto dela devo atribuir exclusivamente ao Budo. É certo que a interação constante com outras pessoas é estimulante e provocadora. Mas isso não é exclusividade do Budo. Assim como a repetição constante dos movimentos que eleva o nível técnico e psicológico.

Concluindo, a gente pratica o Budo não porque é saudável ou porque é um caminho a sabedoria. A gente pratica porque….. a gente gosta!